- Doutor, estou me despedindo do senhor e agradecendo a companhia
desses últimos meses. O que não disse a respeito das pessoas e dos seus
relacionamentos me fizeram um enorme sentido quando passei a viver do que quase
foi escrito. Acredita, doutor? Por que raios meus óculos não funcionam quando
necessito enxergar sem o meu coração?
-
Pasmem, James! Talvez você precise daquelas pílulas que te receitei semana
passada, ou trocar o seu relógio por um daqueles que não marquem por batimento
cardíaco.
-
Talvez, doutor. Acontece que tenho escutado tantas histórias lá na minha rua
que penso que os numerosos conceitos sobre a cura humana e suas felicidades
estão me medicando contra toda a sombra da saudade e a solidão que invento.
-
O que você sente, James, quando resolve olhar com os ouvidos?
-
Escute bem, doutor, porque posso me esquecer dessa receita quando me apaixonar
de forma enganosa. Conheci uma senhora que dizia saber o que era o amor e qual
a sua função nesta vida. Ela sussurrou, como se esse fosse um segredo que só se
pode revelar a quem lhe rouba as horas, sem você cobrar por isso. Levantando o
seu indicador e espremendo os olhos, ela afirmou: “James, não se torture tanto
pelas cobranças do coração e pelo amor não sentido. Amar é como se houvesse um
roteiro escrito por improviso, é como se cativar fosse tão simples e puro que
não requer treino algum, apenas a vivência.
-
Não pude entendê-la apenas com essa resposta, doutor. Tirei minhas dúvidas ali
mesmo: “É igual ser feliz quando se é criança?” - Questionei. “É muito melhor,
garoto!”– Respondeu a senhora. “A felicidade daquele que ama, e sabe o que é o
amor, não vem só dos olhos, vem da alma, do desejo de quem escolhe adotar os
defeitos alheios sem a simples inocência de uma criança, que julga feliz por
não saber o que é tristeza” – concluiu assim o seu pensamento.
-
Meu caro James, imagino que você esteja aprendendo mais com os outros do que
com você mesmo.
-
Não sei doutor, mas acredito que quando se é dois, torna-se muitos e estes muitos
vivem apenas por um, o outro. É o pouco que se torna necessário e transborda.
-
Espero que finalmente você consiga compreendendo a importância de ser natural,
James. Essa senhora certamente tem muita a te ensinar sobre os sentimentos e o
autocontrole.
-
Talvez um dia, doutor. Essa curiosidade se perpetuará daqui pra frente. Ela
morrera de amor semana passada. Dizem os vizinhos que a pobre não suportou
encher a barriga só de conselhos. O que acha Doutor? Doutor?
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