São
treze horas, os olhos abrem, mas o corpo não. Eles mexem e lá se escorre o
almoço. Agora, contra o ronco genético dos homens, me banqueteio com as
vitaminas de numerosas faces e letras.
Atraso,
mas corro, quase atropelando as pernas e testando impiedosamente a
potencialidade do Clínical diante dos mais variados climas destas ladeiras de
asfalto. Respiro e imploro, no raro momento cristão, pelo ônibus, que sufocado
de gente cospe passageiros e suor a cada parada. Ele chega, mas eu não. Ele
atrasa e eu também. Faço orações para que suas rodas voem pelas avenidas
populares. É nesse instante, querido leitor, que por vezes é bom ter
religiosidade, pois ela sempre auxilia quando o perigo se torna iminente.
Sinto-me
hipócrita e oportunista, mas já no primeiro degrau trato de agradecer a
recompensa, pra não correr o risco de ser acusado de ingrato. Livro-me desse
adjetivo. É tudo questão de instinto e rótulo. Antes da roleta, já no encosto do
vidro cimentado por ombros, coloco a culpa no acaso e lá se foram minhas
hipocrisias e religiosidades, lançadas no mesmo ralo. Amanhã corro o risco de
sofrer uma vingança divina melhor elaborada, no entanto, estou vivendo o hoje e
isso é o que interessa. Escapei mais uma vez do juízo. Chego!
São tantos pares de olhos curiosos que metralham os
corpos que passam pelos corredores das aprovações. É aqui que me encontro. Ai
de você, leitor, se não usar o uniforme e status durante seu desfile na
passarela dos espiões, correrá sérios riscos de quebrar as ligações do ator com
a peça. Será julgado pelos espectadores e do seu futuro só garanto o exílio.
Banido! Saia logo daqui.
É
sabido que não se pode olhar para a câmera durante a encenação e nem deixar nascer
alguma possibilidade do seu telespectador perceber que sua atuação é uma mera
arte. Não se conversa com o ouvinte, caro leitor. Digo, não se conversa com o
ouvinte. Cuidado! Apresso o passo, passo por apressado e por aqui passo.
De
onde vem o calor que instiga os olhos dos jurados? E essa curiosidade com
recursos de sonar e etiqueta? Achou mesmo que eu me esqueceria do sonar humano?
Você é lido e estudado desde a primeira aparição até a última fala. E questiono
mais; é medo ou indiferença que recheia os seres quando confrontam o que não conhecem?
Enxugo
a testa e respondo por mim; Não! Se me permite dizer, não os conheço e aqui
fica a minha indiferença. Onde está a sua? E onde eu estava? - Ah! Sim! Agora profanando a santidade das
salas de aula. Em minutos, na banguela das escadas.
Prossigo,
arrastando os joelhos violentamente extintos e dando movimento a estrada
ameaçadora dos intelectos e estudiosos. Assistindo de longe, qualquer estranho
dirá que conspiro contra. Quem? Eu? “Pertencem á moda... mas não são donos de
si”, as atuações não nasceram dos próprios, foram compradas pela necessidade de
ter munição para atirar junto à fala e gestos.
Enquanto
julgo, o relógio físico se manifesta e lá estou na interminável fila da janta,
diante do clamor alheio e do tumulto das bandejas e pratos e copos e talheres e
ecos dos fartos e alimentados cidadãos privilegiados. Hoje a carne é de frango.
Justamente
no auge da curiosidade, torno-me farto do todo. Sento, finjo entender o
discurso poético da despedida e, visto o quanto bastava para um dia, sou
chamado de volta pelo relógio da fadiga. Alívio, (agora) recebo a permissão
para respirar.
Recebo
minhas doses de afago ao sentir o clima frio, sou poupado das preocupações
hormonais. O instrumento Clínical agradece e essa ansiedade também. Quem não concorda
muito com esse enredo talvez não me queira bem, mas não preciso saber quem. Lá
se foram cinqüenta minutos em namoro com uma cadeira silenciosa. Deixo minha
cena, me encaminho ao obscuro.
Outra
vez ao mar, outra vez sem par, mas dessa vez navega rumo ao lar, os
pensamentos. Agora se encontram intocáveis, infinitos. São vinte e três horas, os
olhos não fecham porque o corpo sente a noite. É aí que entra o “meu”, no
estreito intimo entre o silêncio dos que dormem e o sussurro dos que se
escondem.
Rude, febril e
cegamente consumido por inúmeras tentativas de profetizar com a caneta. Batalho
com o último morro, na última esquina, por uma última vitória. E lá se vai, lá
se foi, fui. Já entrei em meus domínios, já reconheço as escadas, estou lúcido, daqui pra
frente tudo que enxergar será de meu pertence. Fecho a porta, suspiro e me
torno tudo que poderia ser, sou enquanto estou sendo. Nunca pontual.